Um trabalho fotográfico consciente das diferentes dimensões e intersecções na relação entre público e privado e entre arquitectura e poder.
Escrito por David Teles Pereira
Público - Ípsilon 31.01.2025
Call of Cthulhu, de H. P. Lovecraft, é merecidamente um dos contos mais influentes da literatura de terror do século XX. Nele, graças à junção de uma série de acasos e descobertas acidentais, o protagonista destapa o véu de um horror inimaginável, um monstro terrível e impiedoso há muito adormecido na cidade afundada de R’Lyeh.
É conhecido o detalhe com que este autor descreve a arquitectura dos espaços que ambientam os seus contos, às vezes até ao limite da paciência do leitor. Mas, mais que simples vícios ou trejeitos de um escritor palavroso, a veemência do detalhe é consequente. Este aspecto é evidente na sua tentativa de reconstrução, mais ficcionada que histórica, de um passado e de uma certa Nova Inglaterra. E mais evidente ainda o é quando se abandona essas paisagens e se lêem as descrições de cidades alienígenas, como R’Lyeh, de geometria bizarra e não euclidiana. O detalhe destas cidades ciclópicas é o condimento da sensação de estranheza, opressão e alienação que Lovecraft pretende sugerir.
Por isso, a arquitectura não é apenas um cenário, é um alicerce do horror cósmico, uma personagem central, que interage com os protagonistas e com o leitor, criando um desconforto estético versátil, que tanto sussurra o declínio, como amplia o medo do desconhecido e a insignificância última da humanidade perante um universo impiedoso e que nos observa com infinito desdém.
Em Dada City, a terceira exposição individual de Inês d’Orey (Porto, 1977) na Salgadeiras Arte Contemporânea, a arquitectura é também personagem central, dando continuidade ao trabalho que a artista tem vindo a desenvolver e em que explora a complexidade dos espaços construídos e da(s) memória(s) e história(s) que lhes são subjacentes.
A partir do seu olhar sobre a arquitectura da cidade de Bucareste, e sempre no interior dos edifícios, Inês d’Orey sussurra-nos uma história que, tal como as ruínas das cidades ciclópicas dos contos de Lovecraft, é sobre passado e declínio. Percorrer esta exposição permite, também, pressentir que, além da arquitectura, há outro protagonista que se manifesta num jogo de ausência e presença. Se os espaços fotografados surgem sempre inabitados, a presença da figura humana intui-se através de uma sugestão fantasmagórica.
É verdade que a fotografia já carrega, até pela sua história enquanto meio, esta sugestão espectral. E, naquilo que já é um lugar-comum da ficção de terror, os espaços inabitados instigam fantasmas. Nas fotografias de Inês d’Orey esta sugestão nada tem que ver com o apelo a esses facilitismos, mas antes com o rigoroso trabalho na construção da narrativa visual, que faz com que a observação dos espaços dê à ausência da figura humana uma densidade quase visível.
Há ainda uma outra dimensão sugerida por esta exposição, e que também se desenha no jogo de ausência e presença, tornando o corpo um protagonista. Em contraste com a ausência de corpos físicos, há uma certa abundância de corpo político, recordando agora outro “monstro” famoso, o Leviatã de Thomas Hobbes.
Na imagem que Abraham Bosse desenhou para o frontispício do Leviatã, uma das mais reconhecíveis e comentadas figurações do poder político, vemos um gigante coroado, cujo corpo é composto por centenas de pequenos homúnculos, que segura uma espada e um báculo, dominando uma majestosa cidade em que se destacam diversos elementos arquitectónicos que representam o poder político e eclesiástico. Um dos papéis mais permanentes da arquitectura, historicamente, é o desenho de edifícios que representam ou acolhem a autoridade política. Se estes edifícios tornam possível o exercício do poder político, são também essenciais para a criação do Estado enquanto entidade que, para existir, depende da sua visibilidade. A arquitectura é, assim, uma das formas mais eficazes através das quais o poder político se apresenta perante os seus cidadãos.
Dada City é, nesta perspectiva, um estudo sobre a história política de Bucareste, contada a partir de espaços como o Ateneu Romeno, o Palácio Vama Postei, ou a Sala Omnia, hoje sede do Centro Nacional para a Dança, mas que durante anos foi um lugar simbólico do poder político durante o regime de Nicolae Ceausescu. Esta exposição mostra um trabalho fotográfico sempre consciente das diferentes dimensões e intersecções na relação entre público e privado e entre arquitectura e poder, fruto de uma preparação meticulosa da artista, que se intui nestas fotografias, continuando e ampliando uma proposta que Inês d’Orey já explorara em Antecâmara (2019), Beograd Concrete (2022) ou Paisagens Construídas (2024).
Em Space and Power: Politics, War and Architecture, Paul Hirst reflecte sobre a intersecção entre espaço físico, poder político e conflito, em que a arquitectura influencia e é influenciada pelo confronto político, mostrando que o espaço a construir não é apenas um pano de fundo passivo para a acção política, é parte integrante das dinâmicas de poder. Este tem sido, também, o foco de uma parte significativa do trabalho de Inês d’Orey, recordando que, como escreveu Benjamin Disraeli,
“uma grande cidade, cuja imagem perdura na memória do homem, é o símbolo de uma grande ideia”.
A photographic work aware of the different dimensions and intersections in the relationship between public and private and between architecture and power. David Teles Pereira
Written by David Teles Pereira
Público newspaper - Ípsilon 31.01.2025
H. P. Lovecraft's Call of Cthulhu is deservedly one of the most influential tales in horror literature of the twentieth century.in it, thanks to the junction of a series of chance and accidental discoveries, the protagonist uncovers the veil of unimaginable horror, a terrible and merciless monster long dormant in the sunken city of R'lyeh.
It is known the detail with which this author describes the architecture of the spaces that set his stories, sometimes to the limit of the reader's patience. But, more than simple vices or tricks of a verbose writer, the vehemence of the detail is consequential. This aspect is evident in his attempt to reconstruct, more fictionalized than historical, a past and a certain New England. And it is even more evident when one abandons these landscapes and reads the descriptions of alien cities, such as R'lyeh, from
bizarre and non-Euclidean geometry. The detail of these Cyclopean cities is the spice of the sense of strangeness, oppression and alienation that Lovecraft intends to suggest.
For this reason, architecture is not just a scenario, it is a foundation of cosmic horror, a central character, which interacts with the protagonists and with the reader, creating a versatile aesthetic discomfort, which both whispers decline, and amplifies the fear of the unknown and the ultimate insignificance of humanity before a merciless universe that observes us with infinite disdain.
In Dada City, the third solo exhibition by Inês d'orey (Porto, 1977) at Salgadeiras Arte Contemporânea, architecture is also a central character, continuing the work that the artist has been developing and in which she explores the complexity of built spaces and the memory(s) and history(s) that underlie them.
From her look at the architecture of the city of Bucharest, and always inside the buildings, Inês d'orey whispers to us a story that, like the ruins of the cyclopean cities of Lovecraft's tales, is about past and decline. Walking through this exhibition also allows us to sense that, in addition to architecture, there is another protagonist that manifests itself in a game of absence and presence. If the photographed spaces always appear uninhabited, the presence of the human figure is intuited through a ghostly suggestion.
It is true that photography already carries, even through its history as a medium, this spectral suggestion. And, in what is already a commonplace of horror fiction, uninhabited spaces instigate ghosts. In the photographs of Inês d'orey, this suggestion has nothing to do with the appeal to these facilitations, but rather with the rigorous work in the construction of the visual narrative, which makes the observation of spaces give the absence of the human figure an almost visible density.
There is also another dimension suggested by this exhibition, which is also drawn in the game of absence and presence, making the body a protagonist. In contrast to the absence of physical bodies, there is a certain abundance of body politic, recalling now another famous “monster”, the Leviathan of Thomas Hobbes.
In the image that Abraham Bosse drew for the frontispiece of Leviathan, one of the most recognizable and commented figures of political power, we see a crowned giant, whose body is composed of hundreds of small homunculi, who holds a sword and a staff, dominating a majestic city in which several architectural elements that represent political and ecclesiastical power stand out. One of the most permanent roles of architecture, historically, is the design of buildings that represent or House political authority. If these buildings make possible the exercise of political power, they are also essential for the creation of the state as an entity that, in order to exist, depends on its visibility. Architecture is thus one of the most effective ways in which political power presents itself to its citizens.
Dada City is, in this perspective, a study on the political history of Bucharest, told from spaces such as the Romanian Athenaeum, the Vama Postei Palace, or the Omnia room, today headquarters of the National Center for dance, but which for years was a symbolic place of political power during the regime of Nicolae Ceausescu. This exhibition shows a photographic work always aware of the different dimensions and intersections in the relationship between public and private and between architecture and power, the result of a meticulous preparation of the artist, which is intuited in these photographs, continuing and expanding a proposal that Inês d'orey had already explored in antechamber (2019), Beograd Concrete (2022) or constructed landscapes (2024).
In Space and Power: Politics, War and Architecture, Paul Hirst reflects on the intersection between physical space, political power and conflict, in which architecture influences and is influenced by political confrontation, showing that the space to be built is not only a passive backdrop for political action, it is an integral part of power dynamics. This has also been the focus of a significant part of Inês d'orey's work, recalling that, as Benjamin Disraeli wrote,
“a great city, whose image endures in the memory of man, is the symbol of a great idea.”
Escrito por Bernardo Pinto de Almeida
Novembro 2024
Toda a fotografia de autor, ou seja aquela que se procura como forma capaz de construir o que se designa por um estilo — seja ela vocacionada para se entender como arte, ou deixar-se ainda ligada ao campo mais restrito do fotográfico — começa por aspirar à elaboração de um olhar. Um olhar significando, neste caso, uma consistência e uma constância no modo de entender o mundo: espaço, objectos ou figuras que são captados (capturados) para o interior da fotografia com a intenção de produzir uma imagem e uma comunicação singulares. Mas, e ao mesmo tempo, assumindo uma capacidade de entender e mobilizar os meios (técnicos, visuais, materiais) que melhor convêm a essa significação, já que todo o olhar constrói e se torna significação, a partir da articulação e uso de um conjunto de signos que se vão tornando reconhecíveis.
Um olhar é, pois, e por tudo isso, no caso da fotografia, o que resulta da capacidade de impor a um meio técnico mais ou menos convencional, que transporta em si um conjunto de limitações e condicionantes, uma intencionalidade nova, susceptível de fazer dele um uso instrumental destinado a um fim, que é justamente a expressão desse modo singular de ver o real. A fotografia de autor, precisamente por ser uma significação, recorta-se dessa imensa massa do fotográfico geral que resulta da multiplicidade de acessos ao acto de fotografar que caracteriza a idade contemporânea, nascida das tecnologias do digital (as fotografias, hoje, podem obter-se a partir de telemóveis, computadores e muitas outras tecnologias simples que incorporam câmaras) para, apesar delas, elaborar uma dimensão visual diferenciada mas reconhecível a que justamente podemos chamar um olhar.
Inês d’Orey é uma autora justamente nessa medida em que, ao longo das últimas duas décadas, tem vindo a construir isso que para trás designei como sendo um olhar, ou um estilo que singulariza as suas fotografias e as submete a uma disciplina própria, que incorpora tanto aspectos temáticos (que decorrem de uma escolha e, depois, de um certo modo de olhar para as coisas e de as ver) como, igualmente, um domínio técnico dos meios que utiliza, por forma a que se tornem competentes e úteis à expressão desse mesmo olhar. A fotógrafa trabalhara antes, profissionalmente, como fotógrafa de arquitecturas num estúdio vocacionado para esse tipo de encomendas e aí terá porventura encontrado o gosto que a levaria a uma escolha primeira do ponto de vista temático.
Mas rapidamente e talvez por isso mesmo, as suas fotografias cedo iriam pedir-lhe para que encetasse com elas um voo próprio, afastado do domínio estrito da encomenda, ou seja, do fazer dessas imagens destinadas apenas a documentar, para procurar, antes, os modos da construção de um olhar. Um livro publicado há alguns anos, de seu título Porto Interior (edição Livraria Fernando Machado, 2011), que reunia fotografias realizadas entre 2006 e 2011, mostrava-nos já os modelos essenciais dessa construção de um olhar singular. Nas dezenas de imagens aí reunidas e primorosamente impressas, uns quantos temas já se destacavam claramente: o gosto pelas arquitecturas, fotografadas como vastos espaços esvaziados da presença humana, ou pela relação de cores e texturas com que se definem outras formas de significação desses mesmos espaços, uma forma de enquadrar em que se privilegiam as relações de planos e de linhas a partir de uma quase estrutura geométrica invisível, mas invariavelmente presente.
A série compunha-se de grandes espaços arquitectónicos despovoados na cidade do Porto (onde a presença arquitectónica foi, ao longo de séculos, uma constante), sem lhes impor uma organização cronológica, em que as relações de texturas, de cores, de materiais, ou a presença estruturante das linhas e a própria ausência do humano ajudavam a gerar uma nova ideia, a seu modo pictorialista, nas suas fotografias. Próxima, afinal, do gosto por um certo inexpressionismo (como o designou Germano Celant), característico de alguma fotografia contemporânea nomeadamente a que se tipificou sob a designação de Escola de Dussedorf e que inscreve autores como Thomas Struth, Thomas Schutte ou Candida Hoffer. Mas as fotografias de Inês d’Orey não se assemelham às destes fotógrafos. Elas têm qualidade própria de criação de ambientes, o que desde logo gera uma distância face às pesquisas daqueles e a afastam de qualquer dívida para com os seus modelos.
Nas fotografias de Inês d’Orey — que desde sempre se foram construindo a partir de espaços arquitectónicos já existentes, e normalmente carregados de alguma dimensão de memória urbana — aquilo de que se trata é justamente de procurar uma espécie de clima, ou uma atmosfera (e nisso, a meu ver, ela está muito mais próxima de fotógrafos como Luigi Ghirri ou Paolo Abate, mesmo se as suas imagens são diferentes das deles) que, na maioria das vezes, decorre da presença nelas de uma certa luminosidade feérica, senão mesmo fantasmática. Por tudo isso se poderia dizer que a fotógrafa parece ir surpreender essa dimensão inefável, misteriosa e no entanto inapreensível de que falou há quase um século Walter Benjamin a propósito das imagens de Atget, referindo que estas se assemelhavam a cenários de um crime prestes a acontecer.
Tudo se passa, assim, como se cada elemento, nelas, desde o seu interior, apontasse para a sugestão de um tempo suspenso já de todo o acontecer, senão mesmo para a suspensão do seu tempo histórico (sejam as marcas do estilo de uma época, ou o da sua anterior funcionalidade) para restituir, em vez destes, um misterioso clima de intemporalidade.
Na verdade, elas aparecem-nos como se habitadas por uma espécie de silêncio obscuro e como se cada espaço — surpreendido num momento de total esvaziamento do humano — significasse, graças a essa mesma ausência, um abandono por motivo de fuga e, com ele, uma espécie de suspensão de toda a anterior significação funcional (um átrio, uma garagem, um corredor, uma fila de cadeiras de cinema, uma escadaria, um corrimão), despido pois de qualquer uso comum, com a consequente transfiguração e abertura a um novo tipo de espaço de ordem quase metafísica. Tal como em Ghirri, parece entrarmos em espaços próximos dos que conhecemos da pittura metafisica de Giorgio di Chirico.
De facto, quando olhamos para cada uma das suas imagens, esse desenho gerado pelos planos e pelas linhas (curvas ou rectas) das paredes, das escadarias, dos degraus, pelas sombras projectadas ou, mais simplesmente, pela relação das cores e texturas que acentuam a sua dimensão pictural, parece convergir para uma dramatização dos próprios espaços, como se estes nos revelassem, através das imagens, terem uma vida própria.
Justamente porque o que vemos são espaços esvaziados de qualquer presença humana, tudo parece encenar-se para que possamos assim assistir ao emergir desse outro espaço em que quase parece podermos escutar vozes vindas de um tempo que definitivamente se julgava perdido mas que, como se numa estranha forma de teatro, deixasse ascender em si, qual testemunha invisível, a aparição de sinais de que desconhecemos a origem.
Assim, também, porque a fotógrafa não capta, em cada uma das suas séries, apenas as imagens de uma dada época ou lugar, ou pelo menos as formas ligadas a temas precisos como seria o dos museus (Struth), dos rostos e das ruas (Schutte), ou de salas propícias à afirmação do poder e da grandeza do mundo (Hoffer), como antes procura surpreender, em cada um desses espaços que captura, uma espécie de misterioso signo de ausência, um eco todavia indecifrável, ou a sombra de uma passagem em si mesma irrestituível.
Na série que dedicou à cidade de Bucareste, onde esteve em residência artística
durante cerca de um mês, foi surpreender vestígios de um tempo passado e no entanto próximo, encontrado em edifícios abandonados outrora palco momentos de glória.
Uma vez mais, nestas imagens, cada vez mais cuidadosamente construídas e enquadradas, o que sobressai é esse manto de silêncio. E se, a um primeiro olhar, elas parecem convocar um sentido memorialista — o testemunho de lugares e de espaços em desaparecimento — ou uma vocação histórica — a referência a momentos importantes da história da vida e da arquitectura na Roménia, graças à evidenciação de obras de alguns/umas dos seus maiores arquitectos/as — o facto é que, diante delas, rapidamente nos apercebemos de um movimento que como que abstractiza cada imagem ao transportá-la para uma dimensão muito mais secreta. A de procurar, nelas, a presença dessa ordem fantasmática a que aludi para trás, a que precisamente gera esse ambiente diáfano capaz de reintroduzir o mistério benjaminiano do aurático de que normalmente a fotografia se afasta, aproximando assim cada uma delas de um sentido metafísico. O que evidencia bem o quanto a fotografia nas mãos de Inês se distancia do puramente fotográfico, que todavia utiliza como instrumento, para se encaminhar para esse domínio incerto em que pela fotografia se tocam as inquietações próprias da arte.
Escadarias que não levam a parte alguma, vestígios de espaços onde antes se ouviu música ou se dançou, lugares que serviram outrora a fantasiosos movimentos de cortesia e festa, talvez a intrigas palacianas, caprichosos acabamentos em materiais de luxo como soalhos em madeiras exóticas e chãos em mármore, sítios que serviram ao prazer e ao deleite dos corpos e dos espíritos mas onde já nada resta, mesmo se não soçobraram (ainda) na condição da ruína. Olhando-os, neste caso acentuados pelo poder ilusório de arcaicas caixas de luz, surpreende-nos como essa grandeza foi esquecida, deixada ao abandono, como se, por um imperativo secreto, cuja cifra desconhecemos. E tal como ocorre no cinema de Marguerite Duras, tudo parecem ecos de vozes de que apenas chegamos a percepcionar pedaços de frases, ecos sem contexto, ou a adivinhar ocorrências cujo sentido desconhecemos.
Inês d’Orey é uma notável fotógrafa cujo trabalho inevitavelmente será rapidamente descoberto num plano muito mais alargado, nomeadamente pela sua grande originalidade que nasce do seu carácter paradoxal, ao jogar ao mesmo tempo com um aparente realismo (que decorre dos meticulosos enquadramentos, da exactidão preciosa das imagens, da notável dimensão das cores e mesmo do seu virtuosismo no domínio técnico) e com uma perturbante imagem de uma quase sobre-realidade que, disfarçada sob a aparência do documental, parece fazer de cada uma dessas imagens o lugar de uma aparição.
Diante delas poderemos experimentar a sensação inquietante que teríamos se, de repente, por misteriosas razões cuja cifra nos escapa, uma cidade inteira se esvaziasse da gente que a habitava e apenas pudéssemos doravante assistir nela a uma imponderável presença dos objectos, das ruas, dos prédios e casas, das esquinas, tudo isso brilhando sob uma luz irreal, que nos faria suspeitar de poderem ter uma vida própria. De facto a presença do documental, mesmo se está ainda visível, é na verdade acessória, pretextual, já que cada imagem tem a sua própria força ao revelar-nos um outro espaço, mesmo se incerto, que parece abrir-se para uma dimensão fantasmática dos tempos e dos lugares, cifrando-se nisso algo de verdadeiramente inapreensível, misterioso, secreto, espectral.
Creio bem que mesmo que um dia a artista venha a optar por fotografar rostos ou paisagens, esse mesmo silêncio e essa dimensão espectral que podemos assistir nos seus magníficos interiores irão acolhê-las no interior das imagens de Inês d’Orey.
Um clima misterioso como aquele que nasceria de uma gravação em loop, qual disco riscado, que se continuasse a escutar mesmo depois de todos terem abandonado a sala, tocando já para ninguém e para nada: imagens para nada, tal como os Textos para Nada de Samuel Beckett, que aqui ganha toda uma nova actualidade...
Written by Bernardo Pinto de Almeida
November 2024
All authorial photography, that is, photography that seeks to be a form capable of constructing what is designated as a style — whether it is intended to be understood as art, or remains linked to the more restricted field of photography — begins by aspiring to elaboration of a look. A look meaning, in this case, a consistency and constancy in the way of understanding the world: space, objects or figures that are captured (captured) within the photograph with the intention of producing a unique image and communication. But, at the same time, assuming a capacity to understand and mobilize the means (technical, visual, material) that best suit this meaning, since every look constructs and becomes meaning, from the articulation and use of a set of signs that are becoming recognizable.
A look is, therefore, and for all this, in the case of photography, what results from the ability to impose on a more or less conventional technical medium, which carries within itself a set of limitations and conditions, a new intentionality, capable of making an instrumental use destined for an end, which is precisely the expression of this singular way of seeing reality. Authorial photography, precisely because it is a meaning, is cut out from this immense mass of general photography that results from the multiplicity of accesses to the act of photographing that characterizes the contemporary age, born of digital technologies (photographs, today, can be obtained whether from cell phones, computers and many other simple technologies that incorporate cameras) to, despite them, elaborate a differentiated but recognizable visual dimension, which we can rightly call the gaze.
Inês d'Orey is an author precisely to the extent that, over the last two decades, she has been constructing what I previously called a look, or a style that makes her photographs unique and subjects them to a discipline of their own, which incorporates both thematic aspects (which arise from a choice and, then, from a certain way of looking at things and seeing them) and, equally, a technical mastery of the means it uses, so that they become competent and useful to expression of that same look. The photographer had previously worked professionally as an architectural photographer in a studio focused on this type of commission and there she perhaps found the taste that would lead her to a first choice from a thematic point of view.
But quickly, and perhaps for that very reason, his photographs would soon ask him to take a flight of his own with them, far from the strict domain of the commission, that is, from making these images intended only to document, to look instead for the ways of constructing a look. A book published a few years ago, entitled Porto Interior (Livraria Fernando Machado edition, 2011), which brought together photographs taken between 2006 and 2011, already showed us the essential models of this construction of a singular perspective. In the dozens of images gathered there and exquisitely printed, some themes already stood out clearly: the taste for architecture, photographed as vast spaces emptied of human presence, or for the relationship of colors and textures with which other forms of meaning of these same spaces are defined, a way of framing in which the relationships between planes and lines are privileged based on an almost invisible but invariably present geometric structure.
The series was composed of large unpopulated architectural spaces in the city of Porto (where the architectural presence was, over the centuries, a constant), without imposing a chronological organization on them, in which the relationships of textures, colors, materials, or the structuring presence of the lines and the very absence of the human helped to generate a new idea, in its own pictorialist way, in his photographs. Close, after all, to the taste for a certain inexpressionism (as Germano Celant called it), characteristic of some contemporary photography, namely that which was typified under the name of the Dussedorf School and which includes authors such as Thomas Struth, Thomas Schutte or Candida Hoffer. But Inês d’Orey’s photographs do not look like those of these photographers. They have their own quality of creating environments, which immediately creates a distance from their research and distances them from any debt to their models.
In Inês d'Orey's photographs — which have always been constructed from already existing architectural spaces, and normally loaded with some dimension of urban memory — what is at stake is precisely the search for a kind of climate, or an atmosphere ( and in this, in my opinion, she is much closer to photographers like Luigi Ghirri or Paolo Abate, even if her images are different from theirs) which, most of the time, derives from the presence in them of a certain fairy-like, if not even ghostly, luminosity . For all this, it could be said that the photographer seems to be going to surprise that ineffable, mysterious and yet ungraspable dimension that Walter Benjamin spoke of almost a century ago regarding Atget's images, referring to them as resembling scenes of a crime about to happen. .
Everything happens, therefore, as if each element, in them, from their interior, pointed to the suggestion of a time already suspended from all happening, if not even to the suspension of its historical time (be they the marks of the style of an era , or that of its previous functionality) to restore, instead, a mysterious climate of timelessness.
In fact, they appear to us as if inhabited by a kind of dark silence and as if each space — surprised in a moment of total emptiness of the human — signified, thanks to this very absence, an abandonment for the sake of escape and, with it, a a kind of suspension of all previous functional significance (a lobby, a garage, a corridor, a row of cinema seats, a staircase, a handrail), stripped of any common use, with the consequent transfiguration and opening to a new type of space of an almost metaphysical order. As in Ghirri, we seem to enter spaces close to those we know from Giorgio di Chirico's pittura metafisica.
In fact, when we look at each of his images, this design generated by the planes and lines (curved or straight) of the walls, staircases, steps, by the projected shadows or, more simply, by the relationship of colors and textures that accentuate its pictorial dimension seems to converge towards a dramatization of the spaces themselves, as if they revealed to us, through the images, that they had a life of their own.
Precisely because what we see are spaces emptied of any human presence, everything seems to be staged so that we can thus witness the emergence of this other space in which we almost seem to be able to hear voices coming from a time that was definitely thought to be lost but which, as if in a strange form of theater, allowing to rise within itself, like an invisible witness, the appearance of signs whose origin we do not know.
This is also because the photographer does not capture, in each of her series, only the images of a given time or place, or at least the forms linked to specific themes such as museums (Struth), faces and streets. (Schutte), or of rooms conducive to the affirmation of the power and greatness of the world (Hoffer), as before he seeks to surprise, in each of these spaces that he captures, a kind of mysterious sign of absence, an echo yet indecipherable, or the shadow of a passage in itself irretrievable.
In the series he dedicated to the city of Bucharest, where he was in artistic residency
For about a month, it was surprising to find traces of a time gone by, yet so close, found in abandoned buildings that were once the scene of moments of glory.
Once again, in these images, increasingly carefully constructed and framed, what stands out is this cloak of silence. And if, at first glance, they seem to evoke a memorialist sense — the testimony of disappearing places and spaces — or a historical vocation — the reference to important moments in the history of life and architecture in Romania, thanks to the evidence of works by some of its greatest architects — the fact is that, when faced with them, we quickly perceive a movement that sort of abstracts each image by transporting it to a much more secret dimension. To seek, in them, the presence of that phantasmatic order to which I alluded above, which precisely generates that diaphanous environment capable of reintroducing the Benjaminian mystery of the auratic from which photography normally distances itself, thus bringing each of them closer to a metaphysical sense. This clearly shows how photography in Inês' hands moves away from the purely photographic, which she nevertheless uses as an instrument, to move towards that uncertain domain in which photography touches on the concerns inherent to art.
Staircases that lead nowhere, traces of spaces where music was once heard or danced, places that once served as the venue for fanciful movements of courtesy and celebration, perhaps for palace intrigues, fancy finishes in luxury materials such as floors in exotic woods and floors in marble, places that served the pleasure and delight of bodies and spirits but where nothing remains, even if they have not (yet) sunk into ruins. Looking at them, in this case accentuated by the illusory power of archaic light boxes, we are surprised at how this greatness was forgotten, left to abandonment, as if by a secret imperative, the figure of which we do not know. And just as in Marguerite Duras's cinema, everything seems like echoes of voices of which we only perceive fragments of phrases, echoes without context, or guess occurrences whose meaning we do not know.
Inês d'Orey is a remarkable photographer whose work will inevitably be quickly discovered on a much broader level, namely for its great originality that arises from its paradoxical character, playing at the same time with an apparent realism (which arises from the meticulous framing, the precious accuracy of the images, the remarkable dimension of the colors and even his virtuosity in technical mastery) and with a disturbing image of an almost super-reality that, disguised under the appearance of the documentary, seems to make each of these images the place of a appearance .
In front of them we can experience the unsettling sensation that we would have if, suddenly, for mysterious reasons whose number escapes us, an entire city were emptied of the people who inhabited it and we could only witness an imponderable presence of objects, streets, buildings. and houses, on the corners, all of this shining in an unreal light, which would make us suspect that they could have a life of their own. In fact, the presence of the documentary, even if it is still visible, is actually accessory, pretextual, since each image has its own strength in revealing to us another space, even if uncertain, which seems to open up to a phantasmatic dimension. of times and places, encrypting in it something truly incomprehensible, mysterious, secret, spectral.
I firmly believe that even if one day the artist chooses to photograph faces or landscapes, this same silence and spectral dimension that we can see in her magnificent interiors will welcome them within Inês d’Orey’s images.
A mysterious atmosphere like that which would arise from a loop recording, like a scratched record, which would continue to be heard even after everyone had left the room, playing for no one and for nothing: images for nothing, just like the Texts for Nothing of Samuel Beckett, who here gains a whole new relevance...
Inês d’Orey expõe na galeria portuense Presença Umbral, relato fotográfico de uma expedição à arquitectura de Buenos Aires no feminino, com Ítala Fulvia Villa em destaque.
Escrito por Sérgio C. Andrade para o jornal Público
23 de Dezembro de 2023
Numa caixa de luz repescada de um antigo negatoscópio médico, vemos duas fotografias do interior da Casa Curutchet, moradia de um cirurgião de Buenos Aires que foi desenhada por Le Corbusier. Mas não é deste “papa” franco-suíço da arquitectura moderna e da sua presença e influência na capital da Argentina que nos vai falar a exposição Umbral, o mais recente projecto de fotografia de Inês d’Orey (Porto, 1977), patente na Galeria Presença, no Porto, até 13 de Janeiro. É a chaise-longue B 306, inventada em 1928, no atelier de Corbusier, pela arquitecta e designer francesa Charlotte Perriand (1903-1999), que d’Orey nos quer mostrar, num gesto de recuperação e afirmação do nome de mulheres que também marcaram a arquitectura (e o urbanismo e o design) da primeira metade do século XX, e que a história oficial normalmente colocou na sombra dos arquitectos homens.
Formada entre Braga, Londres e Florença, prémio Novo Talento Fotografia FNAC em 2007 e artista já com o seu trabalho inscrito numa vasta galeria de exposições entre Portugal e a Europa, Inês d’Orey decidiu, na Primavera deste ano, ir em busca das texturas da arquitectura moderna, racionalista e brutalista, da capital argentina, cidade que não conhecia. “O que me levou a Buenos Aires foi a minha paixão pela arquitectura da primeira metade do século XX”, explica a fotógrafa ao PÚBLICO, à entrada de Umbral. Chegou lá na sequência de um trabalho de investigação e conduzida pela consulta, entre outros, do site ANA – Archivo Nuestras Arquitectas e de um mapa editado em Londres pela empresa Blue Crow sobre a arquitectura de Buenos Aires.
Foi aí que descobriu o Sexto Panteão de Chacarita, um cemitério subterrâneo e labiríntico de grandes dimensões, expoente pioneiro da arquitectura moderna funerária, e uma obra maior de Ítala Fulvia Villa (1913-1991), cujo nome tinha ficado na sombra do de um dos seus colaboradores, Clorindo Testa (1923-2013).
“Apaixonei-me pelas imagens que vi desse cemitério, e achei que, por si só, ele justificaria a minha viagem”, confessa Inês d’Orey, que, no entanto, viria a deparar-se com inúmeros entraves burocráticos até conseguir fotografar o panteão.
Quando chegou a Buenos Aires, descobriu que a obra de Ítala Fulvia Villa tinha acabado de ser classificada Monumento de Interesse Público pela entidade municipal, na sequência de um movimento nacional nesse sentido.
O Sexto Panteão de Chacarita tornou-se, assim, o centro do projecto Umbral – título que d’Orey foi buscar à poesia de outra figura de relevo da cultura argentina da época, Alejandra Pizamik (1936-1972) –, que se afirma como uma “porta de entrada” na obra de Ítala Fulvia Villa. “Impressionou-me que uma obra daquela dimensão, com 96 hectares, e tão bem desenhada na sua integração com o espaço exterior, já que no piso térreo é um extenso jardim, estivesse tão esquecida e também tão pouco cuidada”, diz a fotógrafa, lamentando ainda que “o nome da Ítala tivesse sido completamente apagado da história”, ocultado pelo de Clorindo Testa, que se tornou o ex-libris do brutalismo na Argentina.
“Isto teve bastante impacto em mim, e achei que seria importante mudar a narrativa e centrar esta exposição na mulher e nas primeiras arquitectas argentinas”, acrescenta Inês d’Orey, assumindo tratar-se de uma aproximação “feminista” à história da arquitectura moderna daquele país.
O panteão de Ítala Fulvia Villa surge, assim, com o protagonista da exposição, com perto de uma dezena de fotografias de grandes dimensões, mostrando espaços, recantos, ângulos e principalmente a textura brutalista desta obra desenhada em 1958. A mostra é ainda pontuada por três criações escultóricas, realizadas em parceria com Diogo Amaro, a partir de módulos construtivos desenhados pela arquitecta argentina.
Em volta de Ítala, estão documentadas obras de outras mulheres arquitectas. Aqui, o destaque vai para a instalação, numa das paredes da galeria, de um painel com nove edifícios de habitação modernista construídos entre 1939 e 1970 projectados pelas “primeiras arquitectas argentinas” – Violeta Lorraine Pouchkine, Angelina Camicia, Alicia Cazzaniga, Carmen Córdova, Mabel Lapacó, Lydia Esther Prat, Débora Di Veroli, Beatriz Escudero e Maria Teresa Egozcue –, mesmo que alguns deles em parceria com colegas arquitectos, como o da Biblioteca Nacional Mariano Moreno, desenhado em 1961 mas só concluído nos anos 90, em que o nome de Alicia Cazzaniga foi também secundarizado perante os de Testa e Francisco Bullrich.
Nesta demanda e atenção ao imaginário feminino na arquitectura, Umbral dá ainda a ver casos (e casas) que documentam outras mulheres singulares, bem como o lugar do feminino na sociedade da época. Uma delas é a Casa Victoria Ocampo, um projecto de 1929 de Alejandro Bustillo, inspirado em desenhos de Le Corbusier, que é um dos primeiros edifícios modernos (e polémicos) em Buenos Aires. Um projecto que correspondia ao vanguardismo da escritora e intelectual Victoria Ocampo (1890-1979), criadora da revista Sur, feminista e fundadora, em 1936, da União Argentina de Mulheres.
Outras fotografias, e outras arquitecturas, documentam o lugar da mulher na sociedade argentina. É o caso do icónico Teatro Colón – projecto de Francesco Tamburine e Vittorio Meano com o belga Julio Dormal, inaugurado em 1908, é uma “réplica” do La Scala de Milão –, com os camarotes gradeados ao lado da plateia, onde se “escondiam” as viúvas que queriam assistir aos concertos e óperas, protegidas dos olhares reprovadores dos espectadores. E também do Palácio Barolo (Mario Palanti, 1919), que, à época da sua construção, se tornou no edifício mais alto da América Latina, e do mundo feito em betão armado. Numa decoração pontuada pelo fascínio do proprietário pela Divina Comédia de Dante, a figura da mulher surge representada no Inferno, como propagadora do mal no mundo.
Há ainda o Edifício Evita (José de Hortal, 1936), arranha-céus construído para sede do Ministério das Obras Públicas e que se tornou depois famoso por, em 1951, ter sido palco do discurso da “Renúncia” de Eva Perón ao apelo popular para assumir a vice-presidência ao lado do seu marido Juan Perón – o rosto de “Evita” tendo depois sido eternizado na varanda do edifício num mural do escultor Alejandro Marno.
Umbral, de Inês d’Orey, sendo uma exposição de fotografia com mensagem, é também um guia para uma viagem diferente à história da arquitectura moderna em Buenos Aires.
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Inês d’Orey exhibits at the Porto gallery Presença Umbral, a photographic report of an expedition to the architecture of Buenos Aires for women, with Ítala Fulvia Villa in the spotlight.
Written by Sérgio C. Andrade in Público newspaper (PT)
December 23, 2023
In a light box taken from an old medical x-ray viewer, we see two photographs of the interior of Casa Curutchet, the home of a Buenos Aires surgeon that was designed by Le Corbusier. But it is not about this Franco-Swiss “pope” of modern architecture and his presence and influence in the capital of Argentina that the Umbral exhibition will speak to us, the most recent photography project by Inês d'Orey (Porto, 1977), on view at Galeria Presença, in Porto, until January 13th. It is the chaise-longue B 306, invented in 1928, in Corbusier's studio, by the French architect and designer Charlotte Perriand (1903-1999), that d'Orey wants to show us, in a gesture of recovery and affirmation of the name of women who also marked the architecture (and urbanism and design) of the first half of the 20th century, and which official history normally placed in the shadow of male architects.
Trained between Braga, London and Florence, FNAC New Talent Photography Award in 2007 and artist with her work already included in a vast exhibition gallery between Portugal and Europe, Inês d'Orey decided, in the spring of this year, to go in search of textures of the modern, rationalist and brutalist architecture of the Argentine capital, a city she didn't know. “What took me to Buenos Aires was my passion for architecture from the first half of the 20th century”, explains the photographer to PÚBLICO, at the entrance to Umbral. She got there following research work and conducted by consulting, among others, the ANA website – Archivo Nuestras Arquitectas and a map published in London by the company Blue Crow on the architecture of Buenos Aires.
It was there that she discovered the Sixth Pantheon of Chacarita, a large underground and labyrinthine cemetery, a pioneering exponent of modern funerary architecture, and a major work by Ítala Fulvia Villa (1913-1991), whose name had remained in the shadow of that of one of the his collaborators, Clorindo Testa (1923-2013).
“I fell in love with the images I saw of this cemetery, and I thought that, in itself, it would justify my trip”, confesses Inês d'Orey, who, however, would come across countless bureaucratic obstacles before being able to photograph the cemetery.
When she arrived in Buenos Aires, she discovered that Ítala Fulvia Villa's work had just been classified as a Monument of Public Interest by the municipal entity, following a national movement in this direction.
The Sixth Pantheon of Chacarita thus became the center of the Umbral project – a title that d'Orey took from the poetry of another important figure in Argentine culture at the time, Alejandra Pizarnik (1936-1972) –, which asserts itself as a “gateway” into the work of Ítala Fulvia Villa. “It impressed me that a work of that size, with 96 hectares, and so well designed in its integration with the outdoor space, as the ground floor is an extensive garden, was so forgotten and also so little cared for”, says the photographer, further regretting that “Ítala’s name had been completely erased from history”, hidden by that of Clorindo Testa, who became the ex-libris of brutalism in Argentina.
“This had a huge impact on me, and I thought it would be important to change the narrative and focus this exhibition on women and the first Argentine architects”, adds Inês d'Orey, assuming that it is a “feminist” approach to the history of modern architecture of that country.
The pantheon of Ítala Fulvia Villa thus appears as the protagonist of the exhibition, with close to a dozen large photographs, showing spaces, corners, angles and especially the brutalist texture of this work drawn in 1958. The exhibition is also punctuated by three sculptural creations, created in partnership with Diogo Amaro, using construction modules designed by the Argentine architect.
Around Ítala, works by other women architects are documented. Here, the highlight is the installation, on one of the gallery walls, of a panel with nine modernist residential buildings built between 1939 and 1970 designed by some of the “first Argentine women architects” – Violeta Lorraine Pouchkine, Angelina Camicia, Alicia Cazzaniga, Carmen Córdova, Mabel Lapacó, Lydia Esther Prat, Débora Di Veroli, Beatriz Escudero and Maria Teresa Egozcue – even if some of them in partnership with fellow architects, such as the Mariano Moreno National Library, designed in 1961 but only completed in the 90s, when the Alicia Cazzaniga's name was also given second place to those of Testa and Francisco Bullrich.
In this demand and attention to the feminine imaginary in architecture, Umbral also presents cases (and houses) that document other unique women, as well as the place of the feminine in society. One of them is Casa Victoria Ocampo, a 1929 project by Alejandro Bustillo, inspired by designs by Le Corbusier, which is one of the first modern (and controversial) buildings in Buenos Aires. A project that corresponded to the avant-garde of the writer and intellectual Victoria Ocampo (1890-1979), creator of the feminist magazine Sur and founder, in 1936, of the Argentine Union of Women.
Other photographs, and other architecture, document the place of women in Argentine society. This is the case of the iconic Teatro Colón – project by Francesco Tamburine and Vittorio Meano with the Belgian Julio Dormal, inaugurated in 1908, and a “replica” of La Scala in Milan –, with the grated boxes next to the audience, where they “hid” the widows who wanted to attend concerts and operas, protected from the disapproving looks of spectators. And also the Barolo Palace (Mario Palanti, 1919), which, at the time of its construction, became the tallest building in Latin America, and in the world made of reinforced concrete. In a decoration punctuated by the owner's fascination with Dante's Divine Comedy, the figure of a woman appears represented in Hell, as a propagator of evil in the world.
There is also the Evita Building (José de Hortal, 1936), a skyscraper built as the headquarters of the Ministry of Public Works and which later became famous for, in 1951, being the stage for Eva Perón's “Renunciamiento” speech to popular appeal to assume the vice-presidency alongside her husband Juan Perón – the face of “Evita” having later been immortalized on the building’s facade in a mural by sculptor Alejandro Marno.
Umbral, by Inês d’Orey, being a photography exhibition with a message, is also a guide for a different journey into the history of modern architecture in Buenos Aires.
Written by Hugo Dinis, 2021
The artist Inês d'Orey (1977, Porto) presents her new exhibition entitled Udgang at Galeria Presença, from June 17th to September 4th, 2021. Through a series of photographs taken in Copenhagen, Denmark, during her artistic residency at the Embassy of Portugal in September 2020, the artist reflects on the current situation and, more precisely, on cultural spaces, in a year marked by its closure due to the Covid-19 pandemic.
At such a particular moment of the history lived this last year, it will be impossible to remain indifferent to the stories that touched society and its different communities. One of these consequences was due to the fact that theaters, concert halls and cinemas had their doors closed indefinitely, until physical distance was no longer the rule in the fight against the SARS CoV-2 virus. With an attentive and precise look, the artist Inês d'Orey focused on the common signage to all these spaces, after their reopening, which indicates the exit - udgang in Danish -, but she also looked at the stairs, lost corners, closed curtains and empty seats. However, this focus seems to take two opposite paths. On the one hand, the word udgang can indicate the exit from the space to confinement, or the end of a certain time period. In this way, the movement is towards the enclosure, to the interior. On the other hand, udgang can also indicate the closure of the cultural space. And, in this sense, the movement is towards freedom, towards the outside. Well, it is in this dichotomy, between optimism and pessimism, that the images presented in this photographic project live. By staging the exit in a dubious and cloudy way, the artist stages a probably emotional story that touches us all. Stairs are possibilities for escape as well as for encounter. Curtains can either unveil or hide. Architectural corners can either stage or hide something that could be staged.
Considering the artistic path and the formal and conceptual languages that the artist has been investigating, namely, the idea of suspension of an apparent history, the uncertain narrative of images, or the solitude of the abandoned spaces, the Udgang series of works is revealed in a privileged moment to put into practice a fake realistic documentary or an unreal truthfully fiction. Not only because the story of the pandemic is very present and still unwritten, as the very own photographed spaces contain in themselves the suspension of their activities, even if they are already open, namely when they were photographed. In this way, it is possible to glimpse possible events and to feel the weight of the staged reality. It is, perhaps, in this contradiction that one can read and re-read the images presented in Udgang. As we understand the meaning of staging as the creation of a cunning instrument to deceive, it can be said that the photographs and the objects that show them are always devices that allow the staging of a given story. But, allying this story to a given reality, which is also very close and very moving, one can be faced with images that reveal themselves in the twilight and that appear by hiding what is most visible, according to the forest paths trodden by Heidegger. The concealment is never total, otherwise they would not be visible, but it leaves a ray of light, a possible exit, which can reveal the impossibility of a perennial story.
Some photographs shown in Udgang are displayed in old X-ray light boxes or luminous signs. These devices, which make it possible to unveil the images through the light that emanates from their interior, contain within themselves the premises of revealing and concealing visible reality. If one considers that light is necessary to see corporeality, physical or practical premise about visuality, one can also consider its opposite. In a philosophical or theoretical premise, it is in the lack of light, or in the darkness, that the truth is revealed and reaches the sensitive bodies and, at the limit, we can see feelings and empathy among others.
Curtains and doors are closed, chairs and stages empty, the spaces with dust and dirt, are some of the elements photographed in this series. Through them, the persistence of a certain solitary experience becomes common and communitarian due to the same experience lived by everyone. If the physical distance, rather than the social one, imposed by sanitary rules, if the individual liberties offended by successive declared states of emergency, have become limiting and enclosing, then the point of view of the photographs presented here provides not only a resistance of bodies against the invaders, but above all the promising resilience of a future to come.
A artista Inês d’Orey (1977, Porto) apresenta a exposição intitulada Udgang na Galeria Presença, de 17 de junho a 4 de setembro de 2021. Através de uma série de fotografias realizadas em Copenhaga, Dinamarca, durante a residência artística na Embaixada de Portugal em setembro de 2020, a artista reflete sobre a sua atualidade e, mais precisamente, sobre os espaços culturais, num ano marcado pelo seu encerramento devido à pandemia de COVID-19.
Num momento tão particular da história vivida neste último ano, impossível será ficar indiferente às estórias que tocaram a sociedade e as suas diversas comunidades. Umas destas consequências deveu-se ao facto dos teatros, salas de espetáculos e cinemas terem estado de portas fechadas por tempo indeterminado, até que o distanciamento físico deixasse de ser regra na luta contra o vírus SARS CoV-2. Com um olhar atento e preciso a artista Inês d’Orey focou-se na sinalética comum a todos estes espaços, após a sua reabertura, que indica a saída - udgang em dinamarquês -, mas também olhou para as escadas, cantos perdidos, cortinas fechadas e lugares vazios. Contudo, este foco parece dirigir-se em dois percursos opostos. Por um lado, a palavra udgang pode indicar a saída do espaço para o confinamento, ou o fim de um determinado período. Neste sentido, o movimento é para a clausura, para o interior. Por outro lado, udgang também pode indiciar o encerramento do espaço cultural. E, neste sentido, o movimento é para a liberdade, para o exterior. Ora, é nesta dicotomia, entre o otimismo e o pessimismo, que vivem as imagens apresentadas neste projeto fotográfico. Ao encenar a saída de um modo duvidoso e nubloso, a artista coloca em cena uma possível estória emocional que nos toca a todos. As escadas são possibilidades de fuga, mas também de um possível encontro. As cortinas tanto podem desvelar como ocultar. Os cantos arquitetónicos tanto colocam em cena como escondem algo que poderia ser encenado.
Considerando o percurso artístico e as linguagens formais e conceptuais que a artista tem vindo a investigar, nomeadamente, a ideia de suspensão de uma aparente história, a narrativa incerta das imagens, ou a solidão dos espaços abandonados, a série de trabalhos Udgang revela-se um momento privilegiado para colocar em prática um falso documentário realista ou uma verdadeira ficção irreal. Não só porque a história da pandemia está muito presente e ainda continua por escrever, como os próprios espaços fotografados contêm em si a suspensão das suas atividades, mesmo que já se encontrem abertos, nomeadamente, quando foram fotografados. Deste modo, é possível vislumbrar possíveis acontecimentos e sentir o peso da encenação da realidade. É, talvez, nesta contradição que se pode ler e reler as imagens apresentadas em Udgang. Entendendo o significado de encenar como a criação de um artifício ardiloso para iludir, pode referir-se que as fotografias e os objetos que as mostram são sempre dispositivos que permitem a encenação de uma dada história. Mas, aliando essa história a uma dada realidade, ainda por cima muito próxima e muito comovente, pode estar-se perante imagens que se revelam na penumbra e que mostram ocultando o que mais está visível, segundo os caminhos de floresta trilhados por Heidegger. A ocultação nunca é total, caso contrário não seriam visíveis, mas deixa um raio de luz, uma possível saída, podem relevar a impossibilidade de uma história perene.
Algumas fotografias apresentadas em Udgang são apresentadas em antigas caixas de luz para radiografias ou reclames luminosos. Estes dispositivos, que permitem desvelar imagens através da luz que imana do seu interior, contêm em si as premissas da revelação e ocultação da realidade visível. Se se considerar que é necessária luz para ver a corporalidade, premissa física ou prática sobre a visualidade, também se pode considerar o seu contrário. Numa premissa filosófica ou teórica, é na falta de luz, ou na escuridão, que a verdade se revela e atinge os corpos sensíveis e, no limite, se veem sentimentos e empatias entre os demais.
As cortinas e as portas que se encontram fechadas, as cadeiras e os palcos vazios, os espaços com pó e sujidade, são alguns dos elementos fotografados nesta série. Através deles, a persistência de uma certa vivência solitária torna-se comum e comunitária porque é uma experiência compartilhada. Se o distanciamento físico, e não social, imposto pelas regras sanitárias, se as liberdades individuais ofendidas pelos sucessivos estados de emergência declarados, se tornam limitadores e enclausurantes, então fotografias aqui presentes propiciam não apenas uma resistência dos corpos contra os invasores, mas sobretudo a resiliência promissora de um futuro provindo.
Written by Rui Prata. Lisbon, 2019
Inês d’Orey's works summon the abandoned space, loneliness, death, and sometimes, even a subtle livability. If we are being radical, we can almost say that most of these images embody metaphors to modern society, gradually becoming more self-centered, leaving behind the disenfranchised, invisible and abandoned; the death often found by those fleeing conflict in their home countries.
In Orey's works a story is left hanging for the observer to fill in, from his or her imagination, the space left open by the artist. And yet, besides these more or less made-up narratives Inês d’Orey invites us to, her oevre reveals a careful and consistent career. Throughout the different series one can see a cohesive and persistent line of thought. Along with some other representations, her work focuses on architectural compositions where geometry and light shine through. In some other images, derelict seems to lead us onto a path of decadence and ruin; in others, we find traces of modernism for golden-age film or theater starlets; in yet some others, we find a sort of non-place. The exceptions to these models are displayed differently: light boxes, video, and others. The architecture spaces documented by the artist reveal a labor of research, of meticulous care in presentation, seen in the fine composition and light work. These spaces, wavering between private and public, in which we all have been through some sort of experience, are here calling for our individual memories.
Unlike James Casebre's works, which were made from scale models, Inês d’Orey's images depart from fragments of the real, seldom manipulated. The staging of each place summons a transient moment between life and death. In “Tokiwadai”, for instance, one can imagine a dead old photography studio full of memories and past lives. A simple image, stripped down to its essence, allow us to fabulate almost infinitely. The stool where each client would sit hoping to glorify his or her own identity, and the waiting time to see if the final portrait matched the much expected result. In Habitantes #3 (Dwellers #3), as in other photos, we can see more clearly the line work that leads the gaze towards the light from where ethereal figures subtly emerge.
In this exhibition we are not presenting a unified series, but rather selected images from different series that nevertheless reveal a convergence in her works, and the artist's balanced and solid career.
A obra de Inês d’Orey convoca o espaço abandonado, a solidão, a morte ou, por vezes, uma subtil habitabilidade. De modo radical, quase podemos afirmar que grande parte das imagens das suas séries corporizam metáforas da sociedade atual. Uma sociedade cada vez mais individualizada, onde os menos favorecidos são frequentemente votados ao esquecimento e ao abandono; a morte encontrada, não raras vezes, por aqueles que tentam fugir aos conflitos nos seus países de origem.
O conteúdo da sua obra deixa em suspenso uma estória, um apelo ao espectador para preencher, a partir da sua imaginação, o espaço deixado em aberto pela autora. Contudo, para além de narrativas mais ou menos ficcionais, a que a obra de Inês d’Orey convida, existe um corpo de trabalho que nos revela um cuidadoso e consistente percurso. Ao longo da construção das diferentes séries, observa-se um fio condutor coerente e persistente. Para além de algumas outras representações, a sua obra desenvolve-se maioritariamente em torno de composições arquitectónicas donde resplandece o geometrismo e a luz. Nalgumas imagens, o tempo de abandono parece-nos apontar para um caminho de decadência e ruína; noutras, encontramos traços de modernismo onde o estrelato do cinema ou do teatro brilhou outrora; noutras, ainda, são uma espécie de não lugar. Em geral, as excepções a estes modelos, apresentam-se expostas de formas distintas: caixas de luz, vídeo e outros. Os espaços arquitectónicos documentados pela artista revelam um trabalho de pesquisa, um minucioso cuidado no registo, através de uma composição e iluminação precisas. São espaços que oscilam entre o público e o privado, mas onde praticamente já todos nós experienciámos vivências, convocando, portanto, a memória individual. Ao contrário das da obra de James Casebre, realizadas a partir de maquetes, as imagens de Inês d’Orey partem de fragmentos do real, raras vezes manipuladas. A cenarização de cada lugar evoca um momento transitório entre a vida e a morte. Na fotografia Tokiwadai, por exemplo, podemos idealizar a morte de um velho estúdio fotográfico já não existente, mas cheio de memórias e vidas passadas. É uma imagem simples, confinada ao seu essencial, mas que nos permite efabular quase infinitamente. O banco onde cada cliente se sentava, na expectativa de glorificar a sua identidade, e o tempo de espera para constatar se o retrato final correspondia ao esperado.
Em Habitantes #3, tal como noutras fotografias, é bem evidente o jogo de linhas que conduzem o olhar do observador para a luz donde, subtilmente, se ergue uma personagem etérea.
Nesta exposição, não se apresenta uma série única, mas imagens de diferentes séries que, no entanto, revelam uma convergência nos diferentes trabalhos e permitem constatar o harmonioso e sólido percurso da autora.
Escrito por Rui Prata. Lisboa, 2019
Written by Eric David @ Yatzer
In a fast-paced city like Tokyo, defined by rising skyscrapers, digital screens and advanced robotics around every corner, modernity seems to be a powerful driving force that expels anything old, outdated or redundant. There is a wide held belief that any house over 30 years is obsolete and indeed most buildings in the city are replaced as soon as their usefulness or contemporaneity is challenged—a practice entrenched by the country’s history of earthquakes, tsunamis and widespread destruction during WWII. For her latest project, ‘Do Not Sit Down’, Portuguese photographer Inês d'Orey set out to find those rare mid-20th century buildings in Tokyo that have somehow escaped this relentless cycle of renewal. Her quest, which was inspired by the 1933’s book In Praise of Shadows by Japanese author Junichiro Tanizaki, evolved into a series of photographs of preserved interiors that document the transformation of the city’s historical heritage. Currently exhibited at Galeria Presença in the artist’s home town of Porto, the spaces in D’Orey’s photographs are imbued with a melancholic beauty not usually associated with contemporary Tokyo, evocatively conveying the fallout from the city’s inexorable march towards the future.
Unlike his novels that explore the shifting nature of 20th century Japanese society through themes of sexuality and family dynamics, Junichiro Tanizaki’s In Praise of Shadows is a small meditative essay on Japanese aesthetics expanding on a series of topics from arts and crafts, paper making and lacquerware design, to food, cosmetics and the lavatories of Japanese monasteries. Throughout the essay, the juxtaposition of traditional Japanese interiors with the Modernist ethos is represented as a struggle between the subtle shadows of the former and the dazzling light of the latter. In this sense, his essay is not that different from his fictional work as both are personal reflections on Japan’s search for a cultural identity in the modern age.
As the essay’s title suggests, in the tug-of-war between the wistful intimacy of Japanese cultural heritage and the polished sophistication of modern western life, Tanizaki is on the side of the former; and so is D’Orey. Inspired by the Tanizaki’s paean on traditional Japanese interiors, D'Orey set out to find buildings built during his lifetime—he died in 1965—which coincided with the height of the modernist era. It was no easy task since there are very few buildings that have been preserved from that time and what’s more, there is no official record. No to mention that D’Orey does not speak Japanese which made things even more difficult.
The interiors D'Orey painstakingly found are captured in a state of mindful tranquility, softened by shadows and the patina of age. They are depicted devoid of people and furniture, desolate yet entrancing, their ghostly beauty enhanced by filtered daylight or discrete lamps. Their meditative starkness has a museum quality, urging viewers to walk around, look closer, to just be in the space. In fact most of the spaces are now museums which explains why they have escaped demolition (as well as the project’s title). Not only was there no sitting anywhere or touching anything, in many cases she was not even allowed to set her camera tripod on the floor. Ironically, it was in one of the few buildings that was in use at the time, Tsukiji Fish Market, where D’Orey found an actual 'Do Not Sit Down' sign, plastered on a staircase leading up to some office space. Unsurprisingly, she later found out that the building was scheduled for demolition.
The photographs are overlaid with pages from the first edition of In Praise of Shadows that the artist found in Tokyo. Faintly unfolding across the images, they speak of the traditional interiors that have so captivated both Tanizaki and D’Orey, which are slowly disappearing just like the fonts in the photographs.
Tokyo is a gigantic creature that sheds its skin as it stretches and grows. Most buildings in the city are demolished as soon as they are outdated or no longer needed, and new buildings spring up in their place, at a very fast pace. The residents of this mega metropolis believe that any house over 30 years is obsolete. The creature doesn’t only shed its skin. It changes its flesh. And also its bones.
Inês d'Orey's work in the last years has been dealing mainly with the reinterpretation of interior urban space, exploring the transformation of the identity of the historical heritage in the contemporary city.
This new series, Do Not Sit Down, focuses on the Japanese relationship with the country's architectural legacy, specifically on Tokyo's 1930’s to 70’s interior space of preserved buildings. If Western tradition aspires to permanence, Japanese architecture focuses on flexibility, altering or destroying most of its buildings. The unstable environment created by special circumstances throughout Japan’s history (earthquakes, tsunamis, bombings, nuclear attacks and a rapidly updating technology), led to a culture that accepts cycles of destruction and renewal as a natural part of life.
Informed by Junichiro Tanizaki's world of shadows, patina and minimalism (In Praise of Shadows, 1933), Inês d'Orey investigates improbable realms in Tokyo, different ways of envisioning and feeling space. Museum pieces that cannot be touched. Where nobody can sit. Do not sit down, please.
Photography, video and installation.
Tóquio é uma criatura gigante que muda de pele à medida que vai crescendo. Os edifícios da cidade são, grande parte deles, destruídos assim que se tornam ultrapassados ou deixam de ser úteis, sendo substituídos por novos, a um ritmo alucinante. Os residentes desta mega metrópole acreditam que qualquer casa com mais de trinta anos é obsoleta. A criatura não muda só a pele. Muda também a carne. Muda também os ossos.
O trabalho de Inês d’Orey, nos últimos anos, tem incidido sobre a transformação da identidade patrimonial da cidade contemporânea. Esta nova série, Do Not Sit Down, explora a cultura arquitectónica japonesa relativamente à preservação dos edifícios históricos, com uma atenção especial sobre os espaços interiores de edifícios construídos em Tóquio entre 1930 e 1970, e que ainda mantêm a sua arquitectura original.
Enquanto a tradição ocidental aspira à permanência, a arquitectura japonesa valoriza a flexibilidade, alterando ou destruindo a maior parte dos seus edifícios. O clima instável criado por circunstâncias especiais ao longo da história do Japão (terramotos, tsunamis, bombardeamentos, ataques nucleares e uma rápida evolução tecnológica,…) conduziu a uma cultura que aceita ciclos de destruição e de renovação como uma parte natural da vida.
Tendo como fundo o universo das sombras, da patine e do minimalismo de Junichiro Tanizaki (O Elogio da Sombra, 1933), Inês d’Orey investiga microcosmos improváveis na cidade de Tóquio, onde se podem encontrar diferentes formas de visualizar e de sentir o espaço. Peças de museu que não podem tocar-se. Onde não podemos sentar-nos. Do not sit down, please.
A richly hued theatre, with rows of deep red and fluorescent pink seating (casa da música #2, 2006); ten horizontal stripes on the concrete floor of a vacant, monotone parking garage with a lone arrow pointing down the ramp (silo-auto #1, 2007); three empty chairs gathered around a window, overlooking rooftops rendered with a delicate, painterly quality (hotel dom henrique #1, 2010); a collection of taxidermied birds perched in a airy room, some behind protective glass (alexandre herculano #2, 2011).
An impressive collection of spaces – from the most public to the utterly banal to the intimately private – all reveal themselves as rich tableaus to the young Inês d'Orey. I first encountered this work two years ago in Santa Fe, New Mexico, where in a room of one hundred photographers each sharing their work d’Orey’s images stood out. I was struck by the deliberate composition, elegant color palette, and eerie silence rendered in her large-format photographs.
D'Orey explained that her project began with a longing to explore public spaces in Porto, the city in northern Portugal where she was born and lives today. As one of the oldest cities in Europe, with a history dating back to the fourth century, the past is felt everywhere. Though her intention was not to document the city in a traditional way, the images capture this rich history: countless apartment buildings built in a mix of modernist, português suave, neoclassical, and art deco styles, as well as the hospitals, courthouses, schools, swimming pools, and parking garages that comprise the city’s civic infrastructure.
Her work has played an active and engaged role in civic life, with activists utilizing her images to champion social and political causes. The photograph mercado do bom sucesso, 2010, for example, of the Bom Sucesso Market, which was completed in 1952 by the Porto-based architecture firm ARS Arquitectos, was commissioned in an attempt to save the market from being transformed into a shopping mall. (Though this effort proved futile, the photograph remains – a testament to the structure’s history.)
There is a formal beauty to her work as well. An elegant color palette – earth tones, punctuated by deep greens, rich reds, and the occasional plum – unifies the body of work. D’Orey has an eye for deliberate composition, and the influence of her experience as an architectural photographer is evident throughout: a rigorous attention to architectural form and proportion, and to the details of patterns and texture. In piscina de campanhã, 2006, the gently splayed arches of the roof reflect in the utterly still water of the swimming pool below, at perfectly right angles to the floating lane markers; in casa da música #1, 2006, the geometry of a simple stairwell is amplified by dramatic chiaroscuro.
Yet the fragile state of the city’s architecture is also brought to light in a refreshing departure from traditional architectural photography. Many of the oldest buildings in the city are at risk of collapsing, and the abandonment of downtown has been a concern in recent years. D’Orey shows this decay without apology.
D’Orey has a keen sense for the atmosphere of a place, which she intensifies in her photographs through subtle modifications. “I work on the light and color to create this ambience,” she writes. “I usually don't take any objects out, unless myself.” This is perhaps most apparent in fenianos #2, 2007 of a pale pink wall with a mirror, which reflects an empty room with three large curtained windows. Something feels eerily out of place in this image, until you realize that the photographer and the camera should be visible within the frame. “It would spoil the whole mood of the picture,” d’Orey explains. Other images achieve their dreamlike quality without manipulation: for instance, at first glance, one might assume that d’Orey added the six burned trees to espaço t, 2006 in post-production. But, in fact, “the trees were already there, the remains of an art installation,” exclaims d’Orey. “It was a surreal experience. I couldn't believe it myself.”
Ordinary public spaces, normally crowded and noisy with people, are utterly empty; in image after image, it is impossible to determine whether the photograph was taken today or fifty years ago. Rarely, a whisper of human presence remains: in iscap #1, 2011 the outline of a figure is traced on the floor; in a few images, including alexandre herculano #1, 2011 and jardim botânico #1, 2011, we remember that plants cannot survive inside without a person to water them; and perhaps most clearly in círculo católico de operários, 2011, in which a red sweater remains casually draped over the back of a wooden chair of the same hue.
In one eloquent image after another, the photographs, lacking both a human presence and a sense of time, become elaborate stages for countless untold stories. “What interests me the most is the possibility of an unclear narrative. I want to trigger the viewer’s imagination,” writes d’Orey. “I like to think that the viewer will feel, more than rationalize, the photograph.” Together, the narrative of a city, both real and imagined, emerges.
Inês d'Orey series Porto Interior functions as an unfinished chapter in an approach – that wavers between the uncanny and the unreal – to the Portuguese city on the river Douro, where the artist was born and where she still lives today. D'Orey finds her motifs in historical images which she digitally reworks until she has imbued them with the mood which she finds appropriate. Through a seductive game, suffused with uncertainty and modernistic exaggeration, the artist finds herself in situations which were once familiar to her and now seem strangely remote in the light of a traumatically constricting or expanding reality. Driven by her own aesthetic curiosity, she experiences public and semi-public squares in Porto as places which, robbed of their liveliness, become transitzones to a melancholic feeling for beauty.
Nestes “interiores” que Inês d’ Orey nos oferece, há toda uma erosão do contemporâneo, uma recomposição dos valores e medidas que a sociedade pós-moderna foi interiorizando. Esta agressiva corrente, que acelerou o movimento conceptualista, e se alimentava das diversas alterações sócio-culturais do último quartel do século XX, revelava, naturalmente, a transição dos tempos que a globalização criara e que o ataque às torres gémeas veio embranquecer. Mas a sociedade manteve-se pós-moderna, desconstrutora, de um novo individualismo que fazia seu o direito à felicidade, que recusava a divisão entre público e privado e se afundava nas colónias das redes sociais.
A Fotografia, que revelara, mais do que qualquer outra arte, o conceptualismo militante, foi um dos meios de comunicação que mais rapidamente entrou em conjuntura de mudança, em recusa da formalidade conceptual, desatando um momento sincrético de concepções onde o novo pictorialismo do Photoshop se renovava ao sabor da capacidade técnica. Começamos a ver um outro humanismo, geometrismos modernistas, líricos naturalismos manipulados, uma Land Art adulterada pela publicidade do turismo, um neo-documentalismo subjectivo, frequentemente interventivo, enquanto um novo paradigma fotográfico, assente nos avatares informáticos, se ia definindo. A lição das citações que ajudara ao criticismo pós-moderno fizera evoluir a concepção fotográfica para uma metaforização do real e erodira o contemporâneo.
A desconstrução que se revela em momentos de crise e de crítica social ajuda à criação de novos sistemas, novas estrutruras de entendimento. Estes “interiores” de Inês d’Orey são precisamente o resultado, crescentemente elucidativo, da transmutação da percepção dos lugares que a Fotografia pode anunciar. Fotografando lugares da memória social e, assim, da sua mesma evocação, disponíveis em edifícios do século XVIII, XIX e XX, a fotógrafa recusa a sistematização do estilo e recolhe apenas (e não a nostalgia, como diz), um “espaço privado” que se tornou absurdo e irreal. Um absurdo que tacteia o uncanny kanteano, já que faz parte do entendimento, é-nos familiar, mas surge envolvido de indeterminação, de estranheza. A estranheza pode envolver-se de ironia - corredores que levam a incongruentes “calistas” ou destruídas instalações de “rádio e TV”, afins da sua irrelevância no actual. Pode mostrar-nos recantos aprazíveis que abrem perigosamente para o perigo e o vazio (hotel dom henrique, 2010), ou para adivinhadas exclusões e isolamento (conde ferreira #1, 2011). Ou ainda o recanto iluminado pelas janelas barrocas do edifício setecentista do iscap #1 (2011), com o seu quadro pedagógico e as suas mesas de aula de estrutura modernista e funcional. No arremedo art déco do palacete do cineclube do porto #2 (2011), cadeirões do mesmo estilo criam um canto pouco funcional, alheado da claridade da bonita porta de estilo.
Trata-se de um modo subjectivo de mostrar espaços institucionais, esses locais onde o público e o privado mais interagem. Aí também naturalmente a estranheza se insinua. Basta observar a sucessão de cadeiras vazias, promovendo a evocação de óbvias ausências na frieza das linhas rectas ou curvas. Nos fenianos (2007), tão oitocentista como as suas paredes e janelas elevadas ou o lustro dos soalhos de madeira, a solução de construção de cenários de Inês d’Orey já se anuncia: seja no meio ocultado e pequeno auditório dos sócios, seja na organização das janelas em espaço aberto, transitivo para a imaginação do espaço. Aí uma bela imagem ainda representa a imagem dentro da imagem, a imagem-espelho de uma solução labiríntica. Na casa de serralves #2 (2011), a cenarização joga com o modernismo do edifício, elevando o olhar para o alto que regula a luz, mas o imaginário é de um templo que propicia um ritual qualquer. Ainda é o modernismo da escadaria que envolve a caixa do elevador (escadas nos aliados, 2008), que apela a um olhar que apenas se abre para cima.
É na cenarização dos espaços contemporâneos, do críptico palácio das artes (2010) ao fabuloso aeroporto francisco sá carneiro (2006), anunciando-se já no perturbador plano b (2006) e na arquitectura vacilante do interior da cooperativa dos pedreiros #1 (2007), que a fotógrafa define a sua percepção de espaço reconstruído pelo olhar. A via catarina (2007), o silo-auto, do mesmo ano, ou a espantosa desconstrução que é a casa da música #1 (2006), são grandes cenários abertos que repautam a impressão sensitiva do modo como concebemos o espaço, que nem é público nem privado, porque nada o é no tempo da invasão dos média e apenas permanece um vazio estetizante que deixa o olhar perder-se no visível à procura do que se esconde ou se espraia. Porque vivemos no tempo fantasmático dos média, onde o tempo e o espaço são abertos e a percepção é uma ilusão, os cenários de Inês d’Orey só comportam a intuição de quem os frequenta; todos os ruídos são eliminados, o espaço é, não o sendo, verdadeiramente nosso, evitando o segredo do descontínuo e do labirinto que agora se constrói em linhas rectas do sistema binário: as instituições públicas surgem como não lugares de uso programado e temporário; o utente, que é um visitante de passagem mas autónomo, informado pelas instruções de uso impessoais, define nesse presente intemporado, o seu deambular e apropriação num espaço que intui a partir de emoções vagas mas imediatas.
A vida interior, que se fabrica, fabricando-nos, esconde-se do quotidiano da globalização, fecha-se na neurose colectiva do multiculturalismo que tornou igual o diferente. A homologia não exige uma leitura aprofundada, apenas uma aparência: a Fotografia tem-nos habituado, no contemporâneo, à identidade diluída do retrato, à grandeza das repetições arquitectónicas, à semelhança dos equipamentos rectilíneos, ao vazio da diferença que precisa da estranheza para nos captar a atenção.
O que a fotografia de Inês d’Orey transmuta, e essa é a grande condição da imagem fotográfica, fazer-se outra coisa, é precisamente a invenção de um espaço contemporâneo que, mantendo-se aberto como traços no vazio, apenas deixa em suspenso a entrada para o mundo interior: um fragmento material impositivo, mas um espaço transitivo para o imaterial. Aí, o subjectivo do observador comum preenche esse lugar incomodamente infinito pela percepção que tem de rede social, de contínua ligação com a vida, de afirmação de presença na ausência.
E então as lições de Roland Barthes afundam-se na inaptabilidade: não há verdadeiramente studium, pois o espaço transitivo raia o imponderável, é uma estrutura teórica, apenas operacional; não nos informa, não nos solicita uma análise de entendimento formal. E o punctum, que ganharia o papel do uncanny, da surpresa e da inquietação, não é um foco do olhar, mas apenas da impressão global. É a recepção de um percepto do espaço, desse espaço que se indetermina e nos foge para fora do campo, é a força da distribuição das linhas e das cores a partir de um núcleo, que condensa uma informação para logo a dispersar, funcionando como estética da imagem, como apelo, logo perdido nos seus efeitos subjectivos.
É, enfim, a erosão do contemporâneo a partir da sua própria desconstrução.
Vitrúvio Tratado de Arquitectura.
M. Justino Maciel (Tradução do Latim, Introdução e Notas).
A série de 30 imagens deste porto interior de Inês d’Orey é estruturada e fundamentada numa dupla dimensão, o que leva, de igual modo, a uma dupla construtiva ao nível das “ferramentas” mentais utilizadas para a concepção das suas fotografias.
Se, por um lado, a objectividade destes espaços é óbvia, no sentido de espaços públicos edificados numa cidade com um nome, com uma identidade, e marcada num mapa geográfico mundialmente aceite, por outro, a subjectividade é assinalada, intencionalmente, pelo silêncio humano que nos transporta para espaços com um tempo sem tempo. Esta dupla dimensão criada pela fotógrafa permite-nos ainda uma dupla construtiva, uma vez que constrói/concebe um olhar fotográfico assente, em paralelo, num texto e num subtexto. O texto baseia-se no real, no concreto, em imagens de arquitectura, nomeadamente de espaços interiores. No entanto, Inês d’Orey faz acompanhar este mesmo texto de um subtexto, baseado numa subtil manipulação digital (“sobreposição de imagens de livros antigos e usados”) criando uma patine, que mais uma vez, nos engana no simulacro do tempo e do espaço.
Ao entrarmos neste porto interior sentimos um “jogo” constante, um apelo ou um alerta a antónimos, ou quiçá, a uma noção clara de que a diversidade da interpretação é uma invariável dos olhares e leituras da contemporaneidade. Se nas imagens captadas observamos o silêncio da existência humana, que nos leva a um aparente estatismo, de imediato somos confrontados com o seu contrário: dinâmica/movimento. E o “jogo” começa e termina aqui, numa perfeita sintonia no “acto fotográfico” carregado simultaneamente de um domínio técnico e de uma sensibilidade estética, quando a fotógrafa escolhe este ou aquele “ponto de vista”, que culmina numa composição em nada contraditória. A aparente necessidade de algo obrigatório como sinónimo de vida ou de movimento não se observa: as imagens captam uma constante dinâmica num enquadramento ordenado, rítmico, proporcional, consistente e meticulosamente trabalhado através da luz.
Esta série de imagens apresentadas, no âmbito do Prémio Novo Talento Fnac Fotografia, reflecte a ideia de que o “todo” pode ser “maior do que a soma das partes”; se individualmente cada fotografia revela qualidade, o conjunto apresentado atinge uma coerência conceptual e editorial, demonstrativas de um olhar fotográfico amadurecido através dos conceitos inerentes à prática e ao pensar da fotografia.
Assim, ao observarmos o trabalho fotográfico de Inês d’Orey sentimos o universo Vitruviano. Sem querer e sem qualquer obrigatoriedade, experimentamos Venustates enim persequitur uisus: o olhar persegue a beleza.